Biocentrismo: Precisamos desenquadrar os animais
Abril de 2018
Viagens são momentos de boas experiências culturais, sociais e ambientais. Mas às vezes somos surpreendidos por situações adversas às nossas visões de mundo e ideologias particulares.
Nós brasileiros conhecemos o encarceramento de animais nos espaços dos zoológicos. Eles estão ali para serem vistos por seres antropocêntricos centrados no “eu” humano com a intenção de se divertir com seres enjaulados, acuados. Mas como nós somos vistos pelos animais fora de seus espaços naturais? John Berger (2003, p.31) sintetiza bem esse contato: “em parte alguma num zoológico o visitante pode encontrar o olhar de um animal. Quando muito, o olhar do animal bruxuleia brevemente e segue adiante. Eles olham de soslaio. Olham cegamente para além de nós. Escaneiam tudo mecanicamente. Foram imunizados contra o encontro, porque nada mais pode ocupar um lugar central na sua atenção”. Vivem, portanto, uma condição não natural, padronizada, planejada e encarcerada ao olhar do mamífero bípede e violento fora de extinção, que vasculha minuciosamente todos os espaços fora e dentro das grades porque é livre.
Tive a oportunidade de ver animais no meio silvestre e nos zoológicos em algumas viagens. Foi fascinante presenciar a marcha dos menores pinguins do mundo numa praia australiana, onde existe um museu criado com o intuito de preservar esse comportamento. O museu isola o espaço no qual eles seguem sua marcha, porém enquadra-os em tocas improvisadas sob o olhar humano mediado por binóculos estilizados (parecem caixas de madeira com tampas de vidro) do lado de dentro do ambiente da exposição informativa sobre a espécie deles. Eles percorrem o trecho entre a praia e o museu para cair nas “graças” do olhar similar a uma câmera aberta por um dispositivo de vigilância e de angulação controladas. “Você está na minha mira. Não se mexa”. Provavelmente pensa o frequentador do museu ao gerar expectativa na direção da toca. Tudo ali é manipulado e a manipulação que encarcera é a mesma que “fascina”. Mesmo livres nossos olhos são aprisionados ao modo antropogênico. O pensamento humanitário, ao contrário, deseja quebrar as barreiras e afugentar os pinguins dessas tocas, espécie de zoológicos em miniatura forjados de habitat naturais.
A domesticidade também cumpre seu propósito antropocêntrico de submeter os “bichinhos de estimação” aos desejos humanos. É necessário questionar quando o olhar deles se perde num território reconhecidamente outro, onde existe um ego a projetar vontades e comportamentos com o objetivo de enquadrá-los em expectativas demasiadamente humanas, em vez de reconhecê-los a partir das suas experiências singulares do olhar e do corpo reconhecidamente biocêntricas. Ainda podemos salvar os animais de nossa prepotência?
Referência bibliográfica
BERGER, John. Por que olhar os animais? In: ______. Sobre o olhar. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2003.
Revisão de Ana Lúcia de Sena Cavalcante
Viagens são momentos de boas experiências culturais, sociais e ambientais. Mas às vezes somos surpreendidos por situações adversas às nossas visões de mundo e ideologias particulares.
Nós brasileiros conhecemos o encarceramento de animais nos espaços dos zoológicos. Eles estão ali para serem vistos por seres antropocêntricos centrados no “eu” humano com a intenção de se divertir com seres enjaulados, acuados. Mas como nós somos vistos pelos animais fora de seus espaços naturais? John Berger (2003, p.31) sintetiza bem esse contato: “em parte alguma num zoológico o visitante pode encontrar o olhar de um animal. Quando muito, o olhar do animal bruxuleia brevemente e segue adiante. Eles olham de soslaio. Olham cegamente para além de nós. Escaneiam tudo mecanicamente. Foram imunizados contra o encontro, porque nada mais pode ocupar um lugar central na sua atenção”. Vivem, portanto, uma condição não natural, padronizada, planejada e encarcerada ao olhar do mamífero bípede e violento fora de extinção, que vasculha minuciosamente todos os espaços fora e dentro das grades porque é livre.
Tive a oportunidade de ver animais no meio silvestre e nos zoológicos em algumas viagens. Foi fascinante presenciar a marcha dos menores pinguins do mundo numa praia australiana, onde existe um museu criado com o intuito de preservar esse comportamento. O museu isola o espaço no qual eles seguem sua marcha, porém enquadra-os em tocas improvisadas sob o olhar humano mediado por binóculos estilizados (parecem caixas de madeira com tampas de vidro) do lado de dentro do ambiente da exposição informativa sobre a espécie deles. Eles percorrem o trecho entre a praia e o museu para cair nas “graças” do olhar similar a uma câmera aberta por um dispositivo de vigilância e de angulação controladas. “Você está na minha mira. Não se mexa”. Provavelmente pensa o frequentador do museu ao gerar expectativa na direção da toca. Tudo ali é manipulado e a manipulação que encarcera é a mesma que “fascina”. Mesmo livres nossos olhos são aprisionados ao modo antropogênico. O pensamento humanitário, ao contrário, deseja quebrar as barreiras e afugentar os pinguins dessas tocas, espécie de zoológicos em miniatura forjados de habitat naturais.
A domesticidade também cumpre seu propósito antropocêntrico de submeter os “bichinhos de estimação” aos desejos humanos. É necessário questionar quando o olhar deles se perde num território reconhecidamente outro, onde existe um ego a projetar vontades e comportamentos com o objetivo de enquadrá-los em expectativas demasiadamente humanas, em vez de reconhecê-los a partir das suas experiências singulares do olhar e do corpo reconhecidamente biocêntricas. Ainda podemos salvar os animais de nossa prepotência?
Referência bibliográfica
BERGER, John. Por que olhar os animais? In: ______. Sobre o olhar. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2003.
Revisão de Ana Lúcia de Sena Cavalcante
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