Compaixão: A publicidade de perfume e a natureza


Julho de 2018

A publicidade sempre vendeu produtos acompanhados de sensações. As propagandas de carro projetam os consumidores até situações a partir das quais desejos e falhas do subconsciente podem ou não ser resolvidos, dependendo da condição financeira do cliente. As produções publicitárias de marcas de perfume fazem o espectador “flutuar” ao “ver um aroma” não aspirado, emergindo à “flor da pele” emoções e carências afetivas. Este nicho de mercado usa o marketing da natureza a fim de atrair sensacionistas em aromas e essências provenientes de flores, óleos naturais e madeiras extraídas de projetos de exploração de ecossistemas ou de reflorestamento.

Uma nota publicitária publicada numa revista mensal foi mais além, forjando a ideia de que as marcas competem entre si para proporcionar a sensação de um “flutuar mais alto”. Dizia o texto: “Imagine um passeio pelo campo depois de uma tempestade, com notas frescas de hortelã, cipreste, cera de abelha, camomila, louro, incenso e um toque amadeirado”. Neste caso, qualquer pessoa seria posta no “olho do furacão” apesar do discurso insinuar sua presença “depois de uma tempestade”, numa etapa pós-tragédia sem riscos. O fenômeno referenciado seria consequência de uma variação natural de clima ou de mudanças climáticas e o periódico jornalístico optou pela segunda opção no título da nota, todavia impressiona mais o propósito de levar o cliente a uma situação de descontrole ambiental provocada pela humanidade. Deste modo, os desejos ultrapassam os limites das sensações e revelam a crise da representação da natureza em nosso século XXI.

Não é novidade a venda de comportamentos, atitudes e experiências por meio da aquisição de um produto ou de uma marca. A nota publicitária extrapola a “fábrica sensacionista” ao vender um desastre como algo refrescante e aromático, no entanto os espaços naturais e o próprio homem sofrem com ele. O texto comprova o aparato do mercado de perfumes de produzir a alienação climática num tempo no qual as urgências por soluções além dos limites da capacidade do planeta de autorrecompor seus ecossistemas diante dos impactos ecológicos.

Cada frasco de 30 ml do perfume é vendido por R$ 300. Os custos do aquecimento global, no entanto, já passaram de bilhões de dólares e os pobres sem acesso a esses produtos são os mais prejudicados. Por isso, na próxima vez quando estiver em frente a uma vitrine de loja, lembre as sensações que você, sua família e as próximas gerações não precisam sentir. Os ecossistemas e os animais também não merecem.

Simão Farias Almeida

Referência

MUDANÇA CLIMÁTICA. Revista 29 horas. São Paulo, ed. 101, mar. 2018. p.72. Disponível em: <https://issuu.com/29horas/docs/revista29horas_101_johnnymassaro/72>. Acesso em: 11 jun. 2018.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mitigação: Sobre livros, vaidades e urgências humanas

Ética Ambiental: Ecocrítica, Ecomídia, Jornalismo Ambiental: convergência e diferença